Nos 35 anos da Constituição, direitos sociais, democracia e harmonia entre Poderes são desafios, apontam especialistas

A Constituição Federal Brasileira completa 35 anos nesta quinta-feira (5), mas ainda há desafios a serem enfrentados para que as garantias de direitos conquistados com a promulgação do texto em 1988 sejam efetivamente respeitadas. Entre os desafios levantados por especialistas ouvidos pelo g1 estão: direitos sociais, democracia e harmonia entre Poderes. A promulgação da atual Constituição ocorreu em 5 de outubro de 1988 e se tornou o principal símbolo do processo de redemocratização nacional após 21 anos de regime militar. Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Cristiano Paixão, os desafios em 2023 não estão distantes daqueles de 1988. "Trata-se da universalização do texto constitucional, ou seja, a capacidade de interferir na sociedade de modo propositivo, com o objetivo de fazer valer seus principais objetivos: reconhecimento da dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem discriminação", afirma. "Há, contudo, grandes barreiras à completa vigência do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição, como as altas taxas de homicídio (especialmente entre os jovens das periferias das cidades), a persistência de vários tipos de discriminação (por raça, etnia, orientação sexual, entre outras), a alarmante desigualdade social, a violência policial, entre outras. Mas é apenas por meio do compromisso com a Constituição que será possível construir uma sociedade melhor", afirma Paixão. "A meu sentir, o maior desafio a ser perseguido por nossa atual Constituição é a harmonia e, acima de tudo, a independência entre os Poderes, ou seja, sem que um não interfira na atribuição do outro; o respeito aos direitos e as garantias fundamentais elencados no art. 5 da CF; a efetivação dos direitos sociais e, acima de tudo, efetivar a vontade do Constituinte Originário quando da efetivação do Preâmbulo Constitucional", afirmou o advogado constitucionalista, Max Kolbe. Para o advogado Mozar Carvalho, a Constituição de 1988 é reconhecida por sua riqueza de direitos e garantias fundamentais, bem como por estabelecer objetivos expressos para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária. Ele afirma ser fundamental que sua interpretação e aplicação ocorram de forma íntegra, sem desvios motivados por conveniências políticas momentâneas. "Penso que a concretização plena e íntegra do texto constitucional, respeitando seu espírito e finalidade, sem que seja cooptado por interesses políticos, é talvez o maior desafio que nossa Carta Magna enfrenta", pontua Carvalho. Harmonia dos Poderes O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Cristiano Paixão, não há nenhum defeito estrutural no texto da Constituição de 1988 no que diz respeito à relação entre os poderes. A Constituição estabelece, em seu artigo 2º, que os poderes são "independentes e harmônicos entre si". "Não há nenhuma novidade nessa previsão, que decorre da história do constitucionalismo moderno. Todo regime democrático pressupõe a divisão entre poderes, que devem sempre atuar de modo harmônico", afirma. Para o advogado constitucionalista, Max Kolbe, a Constituição Federal estabelece de forma clara, objetiva e expressa as atribuições de cada poder. Assim, ainda que os Poderes da República sejam independentes e harmônicos entre si, há um sistema de freios e contrapesos absolutamente legítimo e eficaz previsto na própria Constituição Federal, entre eles (checks and balances). "O fato de uma parcela da sociedade tecer intensas críticas ao ativismo judicial -- muita das vezes sob a premissa de ofensa à própria norma constitucional -- não seria suficiente para afirmar que há falha na harmonia entre os Poderes [...] Até porque, friso, se um Poder interferir na atribuição do outro, a própria Constituição Federal exemplifica o mecanismo eficaz para combater essa interferência. Ou seja, a eventual omissão do Poder Legislativo em não elaborar lei para se contrapor ao ativismo judicial não pode caracterizar ofensa entre a harmonia entre os Poderes", completou Kolbe. Para o advogado constitucionalista Mozar Carvalho, a prática política e institucional pode revelar desafios que o texto constitucional não consegue, por si só, superar. "Recentemente, observamos um Senado por vezes inerte, e é possível argumentar que essa inércia decorre da situação de muitos de seus membros, que enfrentam processos em julgamento no STF. Esse cenário acaba por comprometer a efetiva atuação do Senado como contraponto aos excessos de outros poderes, especialmente do Judiciário", disse Mozar. Desigualdades, discurso de ódio, fake news e reforma eleitoral O professor Cristiano Paixão afirma que não há necessidade de modificação da Constituição para que esses objetivos sejam atingidos. "O texto da Constituição já é inteiramente voltado ao combate à desigualdade, como fica claro pelo artigo 3º, inciso III, que estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil 'erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais'. Além disso, os artigos 6º a 9º da Constituição estipulam uma série de direitos sociais. Essas metas já estão previstas na Constituição. É fundamental que elas sejam perseguidas pelos poderes públicos", pondera. Ainda segundo Paixão, com relação ao combate às fake news e ao discurso de ódio, "é totalmente possível extrair do texto constitucional a vedação dessas posturas". "O art. 5º da Constituição, além de prever a liberdade de expressão, também estipula a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", cita. Sobre a reforma eleitoral, o professor argumenta que o que poderia ser discutido seria uma "eventual alteração da legislação eleitoral", que poderia ser modernizada. "Assim, ela proveria a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral de instrumentos para combater o discurso de ódio e as fakes news, especialmente no ambiente das redes sociais e aplicativos de mensagens", afirmou. Já para Max Kolbe, o constituinte originário, quando da elaboração da nossa atual Constituição, elevou a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais ao status de norma constitucional, inclusive inserindo como sendo um dos objetivos da nossa República (artigo 3º). Já normas referentes ao discurso de ódio e fake News devem ser regulamentadas por meio de lei ordinária, não sendo uma emenda à História O debate sobre a nova Constituição começou em julho de 1985, com a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, também conhecida como Comissão Afonso Arinos. Composta por 50 membros, ela foi presidida pelo senador Afonso Arinos de Melo Franco. O anteprojeto constitucional foi entregue em setembro de 1986 e embora não tenha sido encaminhado ao Congresso, foi publicado e serviu de base para debates sobre a construção da nova Constituição em um trabalho de diversas etapas. O senador Afonso Arinos tornou-se um dos constituintes, tendo sido designado presidente da Comissão de Sistematização, uma das etapas desse processo.

source https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/10/05/nos-35-anos-da-constituicao-direitos-sociais-democracia-e-harmonia-entre-poderes-sao-desafios-apontam-especialistas.ghtml
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